Número do processo:
0014008-34.2015.8.07.0018Classe processual:
ação civil públicaÓrgão judicial:
Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DFAbrangência:
LocalData de ajuizamento:
19/05/2015Status:
Sentença de parcial procedência (apelação remetida ao TJDFT em 27/07/2020)
Polo ativo:
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – MP/DFT
Polo passivo:
Distrito Federal – DF
Departamento de Estrada de Rodagem do Distrito Federal – DER/DF
Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal – IBRAM
Companhia Imobiliária de Brasília – Terracap
Terceiros/interessados:
Conselho Comunitário da Vila Estrutural
Técnicas processuais:
amicus curiae, chamamento de interessados, relatório técnico por entidade pública ré, julgamento antecipado do mérito, fiscalização do cumprimento por entidade ou órgão público, divulgação da decisão judicial, multa coercitiva, apresentação de plano para cumprimento da decisãoTemática:
meio ambiente, moradia
Resumo:
A Cidade Estrutural é um bairro na região administrativa do Setor Complementar de Indústria e Abastecimento – SCIA, no subúrbio de Brasília (DF). A área que foi ocupada inicialmente por imigrantes que passaram a trabalhar no “lixão” ali estabelecido, o qual atende a totalidade da capital federal. As moradias no local são extremamente precárias, o saneamento básico é de péssima qualidade, e a região é Área de Relevante Interesse Ecológico – AIRE, cuja função é garantir a integridade dos ecossistemas do Parque Nacional da Brasília e a preservação e a proteção da fauna e da flora ali existentes.
A ARIE foi criada para manter os sistemas naturais do local e estabelecer parâmetros para o uso da área, de forma a impedir que a ocupação urbana se expanda sobre as mesmas. Entretanto, existem várias famílias ocupando a região de forma irregular. O mesmo ocorre com a ARIE do Córrego Cabeceira do Vale, vizinho à Cidade Estrutural, bem como no Parque Urbano Vila Estrutural. No local, beirando o Parque Nacional de Brasília, foi construída a rodovia DF-097, que tornou-se local de depósito de materiais e lixo, prejudicando a preservação do parque.
Diante dessa situação, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – MP/DFT propôs ação civil pública com o fim de regularizar a situação das moradias no local e promover a preservação da fauna e flora do ecossistema em questão. A ação se baseia no descumprimento do Licenciamento Ambiental da regularização fundiária do bairro “Cidade Estrutural” (Licença de Instalação n.º 051/2010).
Houve pedido liminar, o qual foi rejeitado.
O juízo de primeiro grau havia entendido ser o caso de citar as pessoas ocupantes da área e que restariam diretamente sujeitas aos efeitos da sentença, decisão que foi reformada em segunda instância. De todo modo, "visando um mínimo de previsibilidade e respeito aos cidadãos afetados", o juízo determinou, na mesma oportunidade em que indeferiu a liminar, "a intimação do conselho comunitário ou outro órgão de representação dos moradores da região", para atuarem como amicus curiae. Em 16/11/2016, houve intimação do Conselho Comunitário ou Associação de Moradores da região mencionada. O Conselho Comunitário da Vila Estrutural apresentou manifestação nos autos.
Ao final, a ação foi julgada parcialmente procedente. Com a decisão, ficam impostas a desativação da estrada DF-097, para impedir o fluxo de veículos na área vizinha ao Parque Nacional de Brasília e dentro da Floresta Nacional de Brasília; a remoção das construções na faixa de 300m da cerca do Parque Nacional de Brasília; a recuperação das áreas degradadas; o plantio e a manutenção de, no mínimo, 200 mil mudas nativas do cerrado; o cercamento das Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) da região e do Parque Urbano Vila Estrutural para proteger a área verde e coibir a ocupação irregular.
A ré Terracap interpôs recurso de apelação. Após a apresentação de contrarrazões e digitalização, os autos foram remetidos ao TJDFT em 20/07/2020.
O recurso de apelação foi desprovido pelo tribunal, e os embargos de declaração interpostos em face do acórdão foram rejeitados.
Pedidos:
Conforme relatado em sentença, trata-se de pretensão de cumprimento das condicionantes do Licenciamento Ambiental da regularização fundiária do bairro “Cidade Estrutural” (Licença de Instalação n,º 051/2010), sobretudo no seguinte sentido:
"a) a desativação definitiva da rodovia DF-097;
b) remoção das edificações existentes na faixa de 300 metros a partir da cerca do Parque Nacional de Brasília, além das edificações no interior da Área de Relevante Interesse Ecológico da Vila Estrutural e do Parque Urbano Vila Estrutural;
c) recuperação das áreas degradadas na ARIE da Vila Estrutural, na ARIE do Córrego Cabeceira do Valo e no Parque Urbano Vila Estrutural;
d) o cercamento da ARIE da Vila Estrutural, da ARIE do Córrego Cabeceira do Valo, do Parque Urbano Vila Estrutural e da faixa de tamponamento do Parque Nacional;
e) o plantio e a manutenção de, no mínimo, 200.000 (duzentas mil) mudas de árvores nativas do cerrado, para a recomposição de vegetação na ARIE do Córrego Cabeceira do Valo, na ARIE da Vila Estrutural e no Parque Urbano Vila Estrutural, a título de compensação florestal ou medida equivalente, a ser aprovada pelo órgão ambiental."
Também foi pleiteada a reparação de dano moral coletivo.
Tutela provisória:
Em sede de antecipação de tutela, requereu o autor que fossem determinadas as medidas necessárias à correção do Licenciamento Ambiental da Regularização Fundiária da vila Estrutural, permitindo-se sua conclusão célere com respeito aos direitos constitucionais coletivos e difusos afetados, a fim de evitar o agravamento dos danos ambientais, que vêm tendo impacto também para os moradores da região e todos os habitantes do Distrito Federal, mesmo porque o decurso de tempo poderia tornar a ação de reversão ainda mais dificultosa.
Nesse sentido, em sede de tutela de urgência, conforme consignado em sentença, pleiteou que fosse "determinado à Terracap e ao Distrito Federal que (1) realizem a remoção total das edificações existentes na faixa de 300 metros da cerca do PNB, além de garantir que novas edificações sejam erguidas no mesmo local; (2) promovam o cercamento da ARIE da Vila Estrutural, a ARIE do Córrego Cabeceira do Valo e o Parque Urbano Vila Estrutural, visando proteger as áreas verdes, coibindo a ocupação irregular das áreas protegidas; (3) bem como a recuperação das áreas degradadas nas unidades de conservação distritais e faixa de tamponamento de trezentos metros a partir dos limites do Parque Nacional de Brasília; e (4) efetuem o cercamento da faixa de trezentos metros a partir dos limites do Parque Nacional Brasília; e a TERRACAP, Distrito Federal e DER-DF que (5) promovam as ações necessárias à desativação integral da via DF-097, impedindo-se inclusive o fluxo de veículo na área lindeira ao Parque Nacional de Brasília; à TERRACAP (6) que submeta novo requerimento de Licença de Instalação do Parcelamento Urbano da Vila Estrutural perante o IBRAN; e ao IBRAM (7) para que exerça o poder de polícia, fiscalizando o cumprimento das condicionantes, apresentando informações técnicas acerca da idoneidade das medidas implementadas pelos demais réus nos itens anteriores, bem como se abstenha de conceder nova licença de instalação ou de operação ao réu TERRACAP, antes que ele apresente completa regularidade ambiental", tudo sob pena de multa diária.
Em resposta, o Distrito Federal defendeu o indeferimento da antecipação de tutela, "argumentando que além de não existir urgência na desocupação, uma vez que a área está ocupada há muitos anos, a adoção de medida tão drástica certamente causará grande comoção social, porque na faixa de 300 metros contados dos limites do PNB vivem aproximadamente doze mil pessoas, cerca de duas mil e quinhentas famílias. Assevera que a concessão da liminar esgotará integralmente o objeto da ação, o que não é permitido segundo a Lei 8.437/1997."
A tutela liminar foi indeferida, em 01/02/2016: “Sobre o pedido de tutela de urgência, recordo uma vez mais que a história recente já demonstrou que uma tentativa de desocupação manu militari e de surpresa sobre a mesma comunidade resultou em efetivo confronto violento da população com as forças de segurança. Em que pese a aparência de bom direito, reitero que a provável convulsão social que a decisão tomada às ocultas dos cidadãos que estão ocupando a região representa periculum in mora invertido, a recomendar o afastamento da liminar, mormente porque o autor não ofereceu qualquer sugestão para a alocação das centenas de famílias a serem retiradas.”
Decisão final:
Em 03/04/2017, foi proferida sentença com resolução de mérito, julgando parcialmente procedentes os pedidos.
Determinou-se aos réus as seguintes obrigações:
“I) Ao Distrito Federal e Terracap, a obrigação solidária de cumprir integralmente as condicionantes impostas no ato de Licenciamento Ambiental do Parcelamento Urbano da Vila Estrutural, especialmente as condicionantes dos itens 11, 12, 21, 22, 23 e 27 da Licença de Instalação IBRAM n. 051/2010, com celeridade e observando-se os prazos máximos a seguir estabelecidos.
II) Ao Distrito Federal e DER a obrigação solidária de desativar integralmente a rodovia DF-097, bem como de promover a plena recuperação ambiental no seu traçado, com a remoção da pavimentação asfáltica, lixos e entulhos ali encontradiços, no prazo de noventa dias, sob pena de multa no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por mês de descumprimento;
III) Ao Distrito Federal e Terracap, a obrigação de promover o cercamento da ARIE da Vila Estrutural, a ARIE do Córrego Cabeceira do Valo e o Parque Urbano Vila Estrutural, no prazo de seis meses, sob pena de multa no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por mês de descumprimento;
IV) Ao Distrito Federal e Terracap, a obrigação solidária e permanente de promover a recuperação ambiental e manutenção da Unidades de Conservação das ARIEs da Vila Estrutural e do Córrego Cabeceira do Valo, bem como da faixa de tamponamento de 300m desde os limites do Parque Nacional de Brasília, a qual será restaurada segundo o cronograma a seguir;
V) Ao Distrito Federal e Terracap, a obrigação solidária de apresentar, no prazo de cento e vinte dias, o plano para a remoção das ocupações ilegais na área de tamponamento de 300m desde os limites do Parque Nacional de Brasília, sob pena de multa no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por mês de descumprimento.
a. Neste prazo, os réus deverão expedir ampla comunicação aos ocupantes da região, acerca da necessidade de sua remoção do local, em cumprimento à decisão. O plano deverá tratar das operações de remoção, a serem empreendidas no prazo máximo de 6 meses desde a elaboração e entrega do plano nos autos. As diligências de remoção deverão ser realizadas com prudência, sendo acompanhadas por conselhos tutelares e demais órgãos de assistência social e amparo a crianças, adolescentes, pessoas idosas e doentes. Todas as pessoas em situação de vulnerabilidade, como as acima mencionadas, deverão ser encaminhadas a entidades de acolhimento adequada, caso não estejam sob os cuidados de familiares ou responsáveis. O não cumprimento do prazo para as remoções importará na multa no valor de R$ 10.000.000,00 por mês de descumprimento, sem prejuízo da responsabilidade pessoal dos agentes competentes, inclusive por improbidade administrativa.
b. Após a remoção das invasões, deverão os réus Distrito Federal e Terracap cercar a área de tamponamento e promover sua respectiva recuperação ambiental, no prazo de noventa dias, sob pena de multa no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por mês de descumprimento.
VI) Ao IBRAM, a obrigação de exercer o poder de polícia sobre o parcelamento urbano da Vila Estrutural, observando-se especialmente os seguintes deveres:
a. fiscalizar o cumprimento das condicionantes ambientais e de restrição advinda da expiração da licença de instalação;
b. apresentar informações técnicas acerca da idoneidade das medidas implementadas pelos demais réus, no cumprimento das obrigações acima impostas;
c. abster-se de conceder nova licença de instalação ou licença de operação à Terracap, até a comprovação da regularidade ambiental, pelo cumprimento das condicionantes e recuperação da degradação ambiental sobre as áreas sensíveis.”
A ré Terracap interpôs recurso de apelação. O tribunal conheceu e desproveu o recurso, por unanimidade de votos. Foi rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva da Terracap, com a manutenção da sentença de origem e confirmação da obrigação de fazer. Em 22/04/2021, foram rejeitados os embargos de declaração interpostos contra o acórdão.
Última atualização:
25/04/2021Com contribuições de João Antonio Tschá Fachinello, Guilherme Alberge Reis e Marcella Ferraro.