Casos

Ação Popular Raposa Serra do Sol (RR)


 


 


 

Número do processo:
Pet 3.388/RR
Classe processual: 
ação popular
Órgão judicial: 
Supremo Tribunal Federal – STF
Abrangência: 
Regional – Reserva Raposa Serra do Sol (Roraima)
Data de ajuizamento: 
20/04/2005
Status: 
Arquivado, com decisão transitada em julgado

 


 


 

Polo ativo: 

Augusto Affonso Botelho Neto

Polo passivo: 

União

Terceiros/interessados: 

Assistentes do autor popular:
- Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Estado de Roraima
- Lawrence Manly Harte
- Olga Silva Fortes
- Raimundo de Jesus Cardoso Sobrinho
- Ivalcir Centenaro
- Nelson Massami Itikawa
- Genor Luiz Faccio
- Luiz Afonso Faccio
- Paulo Cezar Justo Quartiero
- Itikawa Indústria e Comércio Ltda.
- Adolfo Esbell
- Domício de Souza Cruz
- Ernesto Francisco Hart
- Jaqueline Magalhães Lima
- Espólio de Joaquim Ribeiro Peres

Assistentes da União:
- Fundação Nacional do Índio - FUNAI
- Comunidade Indígena Socó
- Comunidade Indígena Barro
- Comunidade Indígena Maturuca
- Comunidade Indígena Jawari
- Comunidade Indígena Tamanduá
- Comunidade Indígena Jacarezinho
- Comunidade Indígena Manalai


 


 


 

Técnicas processuais: 
amicus curiae, delegação de atos executivos a instâncias inferiores
Temática: 
indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

 

Resumo:

A ação popular foi ajuizada pelo então Senador da República Augusto Affonso Botelho Netto, em 20.04.2005, assistido por seu colega Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti, visando à declaração de inconstitucionalidade da Portaria 534/2005, posteriormente homologada pelo Decreto Presidencial de 15.4.2005, que dispõe sobre a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima, e determina a posse permanente de referida terra aos grupos indígenas Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang e Wapixana.

Em 02.05.2005, foi proferida decisão monocrática pelo Relator Ministro Carlos Ayres Britto, indeferindo o pedido liminar e determinando a citação da União.

Em 06.04.2006, o Plenário, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, confirmando o indeferimento da liminar.

Em 27.08.2008, “o Tribunal, por unanimidade, resolveu questão de ordem, proposta pelo Relator, no sentido de admitir o ingresso na lide do Estado de Roraima e de Lawrence Manly Harte, Olga Silva Fortes, Raimundo de Jesus Cardoso Sobrinho, Ivalcir Centenaro, Nelson Massami Itikawa, Genor Luiz Faccio, Luiz Afonso Faccio, Paulo Cezar Justo Quartiero, Itikawa Indústria e Comércio Ltda., Adolfo Esbell, Domício de Souza Cruz, Ernesto Francisco Hart, Jaqueline Magalhães Lima, e do espólio de Joaquim Ribeiro Peres, na condição de assistentes do autor popular, e da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, da Comunidade Indígena Socó e da Comunidade Indígena Barro, Comunidade Indígena Maturuca, Comunidade Indígena Jawari, Comunidade Indígena Tamanduá, Comunidade Indígena Jacarezinho e Comunidade Indígena Manalai, na posição de assistentes da União, todos eles recebendo o processo no estado em que se encontra. Em seguida, após o voto do Relator, julgando improcedente a ação popular, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Menezes Direito”.

Em 10.12.2008, “Após o voto-vista do Senhor Ministro Menezes Direito, que julgava parcialmente procedente a ação para que sejam observadas determinadas condições impostas pela disciplina constitucional ao usufruto dos índios sobre suas terras, nos termos de seu voto, o Tribunal, contra o voto do Senhor Ministro Celso de Mello, deliberou prosseguir no julgamento do processo, tendo em conta o pedido de vista formulado pelo Senhor Ministro Marco Aurélio. Em continuação ao julgamento, após o voto da Senhora Ministra Cármen Lúcia e dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e da Senhora Ministra Ellen Gracie, que julgavam parcialmente procedente a ação popular para que sejam observadas as mesmas condições constantes do voto do Senhor Ministro Menezes Direito, com ressalvas da Ministra Cármen Lúcia, quanto aos itens X, XVII e XVIII, e o voto do Senhor Ministro Joaquim Barbosa, julgando-a improcedente, o Senhor Ministro Carlos Britto (Relator) reajustou o seu voto para também adotar as observações constantes do voto do Senhor Ministro Menezes Direito, com ressalvas em relação ao item IX, para excluir a expressão ‘em caráter apenas opinativo’ e inserir a palavra ‘usos’ antes da expressão ‘tradições e costumes dos indígenas’, e propôs a cassação da medida cautelar concedida na AC nº 2.009-3/RR, no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Eros Grau, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Ricardo Lewandowski. Em seguida, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Marco Aurélio. Ausente, ocasionalmente, na segunda parte da sessão, o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes.”

O Min. Menezes Direito votou pela preservação da demarcação da terra indígena, mas impôs dezenove condições, com base no art. 231, parágrafo 3º, da CF, acerca da pesquisa, lavra de riquezas minerais, exploração de potenciais energéticos e questões de segurança nacional (vide decisão do dia 19.03.2009).

Em 18.03.2009, “Após o voto-vista do Senhor Ministro Marco Aurélio que, preliminarmente, suscitava a nulidade do processo, tendo em conta a ausência de: 1) - citação das autoridades que editaram a Portaria nº 534/05 e o Decreto de homologação; 2) – citação do Estado de Roraima e dos Municípios de Uiramutã, Pacaraima e Normandia; 3) – intimação do Ministério Público para acompanhar, desde o início, o processo; 4) – citação de todas as etnias indígenas interessadas; 5) – produção de prova pericial e testemunhal e 6) – citação dos detentores de títulos de propriedade consideradas frações da área envolvida, em especial dos autores de ações em curso no Supremo, e que, quanto ao mérito, julgava procedente o pedido, fixando como parâmetros para uma nova ação administrativa demarcatória: a) – audição de todas as comunidades indígenas existentes na área a ser demarcada; b) – audição de posseiros e titulares de domínio consideradas as terras envolvidas; c) – levantamento antropológico e topográfico para definir a posse indígena, tendo como termo inicial a data da promulgação da Constituição Federal, dele participando todos os integrantes do grupo interdisciplinar, que deverão subscrever o laudo a ser confeccionado; d) – em conseqüência da premissa constitucional de se levar em conta a posse indígena, a demarcação deverá se fazer sob tal ângulo, afastada a abrangência que resultou da primeira, ante a indefinição das áreas, ou seja, a forma contínua adotada, com participação do Estado de Roraima bem como dos Municípios de Uiramutã, Pacaraima e Normandia no processo demarcatório, e e) – audição do Conselho de Defesa Nacional quanto às áreas de fronteira; e, após o voto do Senhor Ministro Celso de Mello que julgava parcialmente procedente a ação, o julgamento foi suspenso para continuação na sessão seguinte. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie, com voto proferido em assentada anterior”.

Em 19.03.2009, foi “Suscitada questão de ordem pelo patrono da Comunidade Indígena Socó, no sentido de fazer nova sustentação oral, tendo em vista fatos novos surgidos no julgamento, o Tribunal, por maioria, indeferiu o pedido, vencido o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, vencidos os Senhores Ministros Joaquim Barbosa, que julgava totalmente improcedente a ação, e Marco Aurélio, que suscitara preliminar de nulidade do processo e, no mérito, declarava a ação popular inteiramente procedente, julgou-a o Tribunal parcialmente procedente, nos termos do voto do Relator, reajustado segundo as observações constantes do voto do Senhor Ministro Menezes Direito, declarando constitucional a demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e determinando que sejam observadas as seguintes condições:
(i) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o art. 231, § 6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei complementar;
(ii) o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
(iii) o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando-se-lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da lei;
(iv) o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão de lavra garimpeira;
(v) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional), serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI;
(vi) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI;
(vii) o usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e educação;
(viii) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
(ix) o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área da unidade de conservação também afetada pela terra indígena com a participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando-se em conta os usos, tradições e costumes dos indígenas, podendo para tanto contar com a consultoria da FUNAI; (x) o trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
(xi) devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI;
(xii) o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;
(xiii) a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público, tenham sido excluídos expressamente da homologação, ou não;
(xiv) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena ou pelos índios (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, caput, Lei nº 6.001/1973);
(xv) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas, a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, § 1º, Lei nº 6.001/1973);
(xvi) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos arts. 49, XVI, e 231, § 3º, da CR/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei nº 6.001/1973), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros;
(xvii) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
(xviii) os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis (art. 231, § 4º, CR/88); e
(xix) é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento.
Vencidos, quanto ao item (xvii), a Senhora Ministra Carmen Lúcia e os Senhores Ministros Eros Grau e Carlos Britto, Relator. Cassada a liminar concedida na Ação Cautelar nº 2.009-3/RR. Quanto à execução da decisão, o Tribunal determinou seu imediato cumprimento, independentemente da publicação, confiando sua supervisão ao eminente Relator, em entendimento com o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, especialmente com seu Presidente. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e a Senhora Ministra Ellen Gracie, que proferiram voto em assentada anterior”.

Em 03.04.2009, foi proferida decisão do Min. Relator, deferindo em parte os pedidos do Ministério Público Federal e da União, nos seguintes termos:
“a) determinar o ingresso do IBAMA e da Agência Nacional de Águas nas áreas denominadas de ‘fazendas’, a fim de que sejam promovidos levantamentos de caracterização do passivo ambiental para a detecção de eventual dano ambiental, a fixação de autoria, a identificação de materiais nocivos ao meio-ambiente em estoque nas referidas áreas (tais como defensivos agrícolas, aditivos químicos, etc.), bem como para que acompanhem o processo de desmobilização e de retirada de bens, de qualquer natureza, dos ocupantes ilegais, no sentido de prevenir impactos nocivos aos recursos naturais;
b) determinar o ingresso do INCRA e do Ministério da Agricultura (incluída aí a CONAB) para que realizem levantamentos das áreas plantadas, em especial a de rizicultura, a estimativa da safra (quanto à quantidade e precificação) e o prazo e formas de operacionalização da colheita. Determinar, ainda, que sejam identificadas as plantações situadas em áreas embargadas (p. ex.: pelo IBAMA);
c) determinar ao Ministério da Justiça, pelos seus órgãos de segurança, a prestação de todo o apoio necessário à implementação das medidas acima indicadas, além de garantir que os ocupantes ilegais deixem a região, com seus bens, de forma pacífica e ordenada, admitindo-se, para isso, o ingresso em qualquer área da Terra indígena Raposa Serra do Sol;
d) deferir, em caso de resistência ou quaisquer atitudes injustificadas, que impliquem a extrapolação do prazo razoável de saída voluntária dos ocupantes ilegais, já notoriamente fixado em 30 de abril de 2009, as requisições de bens necessários à implementação da desocupação e do uso da força, esta no limite do estritamente necessário. Neste caso, a operacionalização das requisições, com a devida especificação dos bens e de seus proprietários, é de ser previamente submetida ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ou autoridade que lhe faça as vezes por delegação. Havendo, no local, Juiz especialmente designado por este Relator ou pelo Presidente do TRF da 1ª Região, o uso da força deverá ser previamente autorizado pelo mesmo;
e) autorizar a destinação de locais específicos na Terra Indígena, ou fora dela, para permitir o depósito e facilitar a guarda de insumos, coisas móveis e semoventes pertencentes aos ocupantes ilegais, bens esses que ficarão sob a responsabilidade do Poder Público até o fim do processo de desocupação;
f) os citados lugares ficam destinados aos bens, de quaisquer natureza, a serem apreendidos no caso de descumprimento do prazo limite fixado em 30 de abril de 2009”.

Autorizou-se, ainda, “o ingresso do Ministério do Trabalho para os necessários levantamentos e cadastramento dos trabalhadores a soldo dos ocupantes ilegais” e ficou estabelecido que “As situações de não-índios detentores de parentesco com integrantes das comunidades indígenas da TI Raposa Serra do Sol e que eventualmente constem da Relação de Processos de Ocupantes na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (fls. 12.486/12.488) devem ser objeto de submissão individualizada ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região”.

Na mesma oportunidade, foi fixado à FUNAI o prazo de sete dias para submissão de relatório parcial acerca do cumprimento da decisão e do estágio em que se encontrar a desocupação das terras. Ainda, “para o bom desempenho desta incumbência”, foi autorizado o ingresso da FUNAI “nas áreas de ocupação ilegal para inventariar os bens que estão sendo retirados, os que permanecem, com as devidas especificações e o estado dos mesmos”.

Também em 03.04.2009, o relator indeferiu pedido dos então senadores Affonso Botelho Neto e Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti, para que a execução do julgado fosse suspensa. Consignou-se que, conforme decido pelo Plenário, a efetivação da decisão deveria se dar independentemente da publicação do acórdão.

Em 30.04.2009, o relator determinou “a expedição de ofício ao Exmo. Sr. Presidente da República, com cópia ao Advogado-Geral da União, com a finalidade de encaminhar cópias dos Ofícios nº 553, 554 e 556/2009, do Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ressaltando que tais sugestões têm como função exclusiva a de proporcionar a saída pacífica de certos ocupante não-índios no tempo determinado pelo Supremo Tribunal Federal, preservando, ainda, direitos mínimos de subsistência em face de uma mudança sensível nas relações econômicas e de trabalho na Terra Indígena Raposa da Serra do Sol."

Também em 30.04.2009, o relator indeferiu o pedido do então senador Mozarildo Cavalcanti de prorrogação do prazo para desocupação da área. Entendeu “que o Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região fez numerosos relatos para dar conta de tratativas para minorar os impactos da desintrusão, tal como a realocação em novas casas, o reassentamento, o fornecimento de meios para transporte de bens. Pelo que não vejo razão para uma prorrogação genérica do prazo para a saída de certos ocupantes não-índios. Ademais, nos termos do despacho que proferi no dia 03/04/2009, deleguei ao Presidente do TRF da 1ª Região a competência para decidir sobre casos excepcionais”.

Em 19.03.2010, em consonância com a decisão do Plenário de 19.03.2009, foi proferida decisão pelo Relator, delegando ao Desembargador Federal Jirair Aram Megueriam, do TRF da 1.ª Região, as atribuições residuais constantes da decisão de 03.04.2009, com fundamento no art. 340, combinadamente com os incisos II e XIII do art. 21 e o § 2º do art. 247, todos do Regimento Interno do STF.

Em 02.07.2013, o processo encaminhado ao Min. Roberto Barroso, novo relator, diante da aposentadoria do relator originário.

Em 23.10.2013, “O Tribunal, por unanimidade, não conheceu dos embargos de declaração opostos por Ação Integralista Brasileira, Movimento Integralista Brasileiro e Anésio de Lara Campos Júnior. Votou o Presidente, Ministro Joaquim Barbosa. Também por unanimidade, desproveu os embargos de declaração opostos por Lawrence Manly Harte e outros, pelo Estado de Roraima e pelo Senador Augusto Affonso Botelho Neto. Votou o Presidente, Ministro Joaquim Barbosa. Quanto aos embargos opostos pelo Senador Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti, em que ficou vencido o Ministro Marco Aurélio, que os acolhia em maior extensão; quanto aos embargos opostos pela Procuradoria-Geral da República, em que ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa (Presidente), que os acolhiam com efeitos modificativos, e quanto aos embargos opostos pelas Comunidades Indígenas, o Tribunal os acolheu parcialmente, sem efeitos modificativos, apenas para esclarecer que: a) a decisão proferida na PET 3.388/RR não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos, relativos a terras indígenas diversas; b) com o trânsito em julgado do acórdão proferido na PET 3.388/RR, todos os processos relacionados à Terra Indígena Raposa Serra do Sol deverão adotar as seguintes premissas como necessárias: (i) são válidos a Portaria/MJ nº 534/2005 e o Decreto Presidencial de 15.4.2005, que demarcaram a área, observadas as condições indicadas no acórdão; e (ii) a caracterização da área como terra indígena, para os fins dos arts. 20, XI, e 231, da Constituição, importa em nela não poderem persistir pretensões possessórias ou dominiais de particulares, salvo no tocante a benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (CF/88, art. 231, § 6º); c) o usufruto dos índios não lhes confere o direito exclusivo de explorar recursos minerais nas terras indígenas. Para fazê-lo, quais pessoas devem contar com autorização da União, nos termos de lei específica (CF/88, arts. 176, § 1º, e 231, § 3º). De toda forma, não se pode confundir a mineração, como atividade econômica, com as formas tradicionais de extrativismo, praticadas imemorialmente, nas quais a coleta constitui uma expressão cultural ou um elemento do modo de vida de determinadas comunidades indígenas. No primeiro caso, não há como afastarem-se as exigências previstas nos arts. 176, § 1º, e 231, § 3º, da Constituição. Tudo nos termos do voto do Relator, Ministro Roberto Barroso. Quanto à votação dos embargos opostos pelas Comunidades Indígenas, ausentes os Ministros Joaquim Barbosa (Presidente) e Marco Aurélio. Presidiu e votou o Ministro Ricardo Lewandowski (Vice-Presidente). O Tribunal, por unanimidade, resolveu as questões de ordem suscitadas pelo Relator para: a) declarar encerrada a supervisão judicial sobre os atos relacionados ao cumprimento da Portaria/MJ nº 534/2005 e do Decreto Presidencial de 15.4.2005; e b) declarar exaurida a eficácia do acórdão proferido na RCL 3.331/RR, pondo fim à presunção absoluta de competência desta Corte para as causas que versem sobre a referida Terra Indígena, sem prejuízo da possibilidade de que, em cada situação concreta, os interessados demonstrem ser esse o caso. Votou o Ministro Ricardo Lewandowski (Vice-Presidente). Ausentes, ocasionalmente, os Ministros Joaquim Barbosa (Presidente) e Marco Aurélio. Impedido o Ministro Dias Toffoli. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia, em viagem oficial para participar do Programa del VI Observatorio Judicial Electoral e do Congresso Internacional de Derecho Electoral, promovidos pela Comissão de Veneza, na Cidade do México”.

Em 10.09.2018, foram rejeitados novos embargos de declaração: "O Tribunal, por maioria, negou provimento aos embargos de declaração e determinou o trânsito em julgado, independentemente de publicação do acórdão, nos termos do voto do Relator. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que, preliminarmente, não conhecia dos embargos e, quanto à matéria de fundo, desprovia-os.”

Em 12.09.2018, foi registrado o trânsito em julgado em 06.09.2018.

Em 20.11.2018, houve baixa ao arquivo do STF.


 

Pedidos: 

No mérito, pede o autor popular a declaração de inconstitucionalidade da Portaria 534/2005, posteriormente homologada pelo Decreto Presidencial de 15.4.2005, que dispõe sobre a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, determinando a posse permanente de referida terra aos grupos indígenas Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang e Wapixana.


 

Tutela provisória:

Requereu o autor popular a “suspensão liminar dos efeitos da Portaria n° 534/2005 e do Decreto Presidencial Homologatório de 15/05/2005, e de toda e qualquer Portaria futura que tenha por finalidade frustar o andamento judicial das ações que discutam a demarcação da Raposa/Serra do Sol”, sob o fundamento de que “o Decreto 534/05 contraria, às escâncaras, o princípio da razoabilidade, pois absolutiza o princípio da tutela do índio em detrimento de vários outros, como o da segurança jurídica, legalidade, do princípio federativo, do devido processo legal, do contraditório, dentre outros (...)”.

Em 02.05.2005, foi proferida decisão pelo Min. Relator, indeferindo o pedido liminar.

O Plenário negou provimento ao agravo regimental interposto, em 06.04.2006, confirmando o indeferimento da liminar:

"AÇÃO POPULAR. LIMINAR INDEFERIDA. DEMARCAÇÃO DA RESERVA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL. HOMOLOGAÇÃO. PORTARIA Nº 534/2005, DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL. Deve ser mantida a decisão que, para indeferir a liminar, levou em conta a complexidade da matéria, a possibilidade de acirramento dos ânimos na região, bem como a necessidade de se completar a relação processual com a citação da União. Agravo regimental desprovido."


 

Decisão final:

Em 19.03.2009, a ação popular foi julgada parcialmente procedente, impondo a observância de uma série de condições impostas pela disciplina constitucional ao usufruto dos índios sobre suas terras.

O acórdão foi assim ementado:

"AÇÃO POPULAR. DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO- DEMARCATÓRIO. OBSERVÂNCIA DOS ARTS. 231 E 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BEM COMO DA LEI Nº 6.001/73 E SEUS DECRETOS REGULAMENTARES. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE DA PORTARIA Nº 534/2005, DO MINISTRO DA JUSTIÇA, ASSIM COMO DO DECRETO PRESIDENCIAL HOMOLOGATÓRIO. RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO INDÍGENA DA ÁREA DEMARCADA, EM SUA TOTALIDADE. MODELO CONTÍNUO DE DEMARCAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. REVELAÇÃO DO REGIME CONSTITUCIONAL DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO ESTATUTO JURÍDICO DA CAUSA INDÍGENA. A DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS COMO CAPÍTULO AVANÇADO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. INCLUSÃO COMUNITÁRIA PELA VIA DA IDENTIDADE ÉTNICA. VOTO DO RELATOR QUE FAZ AGREGAR AOS RESPECTIVOS FUNDAMENTOS SALVAGUARDAS INSTITUCIONAIS DITADAS PELA SUPERLATIVA IMPORTÂNCIA HISTÓRICO-CULTURAL DA CAUSA. SALVAGUARDAS AMPLIADAS A PARTIR DE VOTO-VISTA DO MINISTRO MENEZES DIREITO E DESLOCADAS PARA A PARTE DISPOSITIVA DA DECISÃO.
1. AÇÃO NÃO CONHECIDA EM PARTE. Ação não-conhecida quanto à pretensão autoral de excluir da área demarcada o que dela já fora excluída: o 6º Pelotão Especial de Fronteira, os núcleos urbanos dos Municípios de Uiramutã e Normandia, os equipamentos e instalações públicos federais e estaduais atualmente existentes, as linhas de transmissão de energia elétrica e os leitos das rodovias federais e estaduais também já existentes. Ausência de interesse jurídico. Pedidos já contemplados na Portaria nº 534/2005 do Ministro da Justiça. Quanto à sede do Município de Pacaraima, cuida-se de território encravado na "Terra Indígena São Marcos", matéria estranha à presente demanda. Pleito, por igual, não conhecido.
2. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS PROCESSUAIS NA AÇÃO POPULAR. 2.1. Nulidade dos atos, ainda que formais, tendo por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras situadas na área indígena Raposa Serra do Sol. Pretensos titulares privados que não são partes na presente ação popular. Ação que se destina à proteção do patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe (inciso LXXIII do artigo 5º da Constituição Federal), e não à defesa de interesses particulares. 2.2. Ilegitimidade passiva do Estado de Roraima, que não foi acusado de praticar ato lesivo ao tipo de bem jurídico para cuja proteção se preordena a ação popular. Impossibilidade de ingresso do Estado-membro na condição de autor, tendo em vista que a legitimidade ativa da ação popular é tão-somente do cidadão. 2.3. Ingresso do Estado de Roraima e de outros interessados, inclusive de representantes das comunidades indígenas, exclusivamente como assistentes simples. 2.4. Regular atuação do Ministério Público.
3. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DEMARCATÓRIO. 3.1. Processo que observou as regras do Decreto nº 1.775/96, já declaradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança nº 24.045, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa. Os interessados tiveram a oportunidade de se habilitar no processo administrativo de demarcação das terras indígenas, como de fato assim procederam o Estado de Roraima, o Município de Normandia, os pretensos posseiros e comunidades indígenas, estas por meio de petições, cartas e prestação de informações. Observância das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. 3.2. Os dados e peças de caráter antropológico foram revelados e subscritos por profissionais de reconhecidas qualificação científica e se dotaram de todos os elementos exigidos pela Constituição e pelo Direito infraconstitucional para a demarcação de terras indígenas, não sendo obrigatória a subscrição do laudo por todos os integrantes do grupo técnico (Decretos nos 22/91 e 1.775/96). 3.3. A demarcação administrativa, homologada pelo Presidente da República, é "ato estatal que se reveste da presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade" (RE 183.188, da relatoria do ministro Celso de Mello), além de se revestir de natureza declaratória e força auto-executória. Não comprovação das fraudes alegadas pelo autor popular e seu originário assistente.
4. O SIGNIFICADO DO SUBSTANTIVO "ÍNDIOS" NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O substantivo "índios" é usado pela Constituição Federal de 1988 por um modo invariavelmente plural, para exprimir a diferenciação dos aborígenes por numerosas etnias. Propósito constitucional de retratar uma diversidade indígena tanto interétnica quanto intra-étnica. Índios em processo de aculturação permanecem índios para o fim de proteção constitucional. Proteção constitucional que não se limita aos silvícolas, estes, sim, índios ainda em primitivo estádio de habitantes da selva.
5. AS TERRAS INDÍGENAS COMO PARTE ESSENCIAL DO TERRITÓRIO BRASILEIRO. 5.1. As "terras indígenas" versadas pela Constituição Federal de 1988 fazem parte de um território estatal-brasileiro sobre o qual incide, com exclusividade, o Direito nacional. E como tudo o mais que faz parte do domínio de qualquer das pessoas federadas brasileiras, são terras que se submetem unicamente ao primeiro dos princípios regentes das relações internacionais da República Federativa do Brasil: a soberania ou "independência nacional" (inciso I do art. 1º da CF). 5.2. Todas as "terras indígenas" são um bem público federal (inciso XI do art. 20 da CF), o que não significa dizer que o ato em si da demarcação extinga ou amesquinhe qualquer unidade federada. Primeiro, porque as unidades federadas pós-Constituição de 1988 já nascem com seu território jungido ao regime constitucional de preexistência dos direitos originários dos índios sobre as terras por eles "tradicionalmente ocupadas". Segundo, porque a titularidade de bens não se confunde com o senhorio de um território político. Nenhuma terra indígena se eleva ao patamar de território político, assim como nenhuma etnia ou comunidade indígena se constitui em unidade federada. Cuida-se, cada etnia indígena, de realidade sócio-cultural, e não de natureza político-territorial.
6. NECESSÁRIA LIDERANÇA INSTITUCIONAL DA UNIÃO, SEMPRE QUE OS ESTADOS E MUNICÍPIOS ATUAREM NO PRÓPRIO INTERIOR DAS TERRAS JÁ DEMARCADAS COMO DE AFETAÇÃO INDÍGENA. A vontade objetiva da Constituição obriga a efetiva presença de todas as pessoas federadas em terras indígenas, desde que em sintonia com o modelo de ocupação por ela concebido, que é de centralidade da União. Modelo de ocupação que tanto preserva a identidade de cada etnia quanto sua abertura para um relacionamento de mútuo proveito com outras etnias indígenas e grupamentos de não-índios. A atuação complementar de Estados e Municípios em terras já demarcadas como indígenas há de se fazer, contudo, em regime de concerto com a União e sob a liderança desta. Papel de centralidade institucional desempenhado pela União, que não pode deixar de ser imediatamente coadjuvado pelos próprios índios, suas comunidades e organizações, além da protagonização de tutela e fiscalização do Ministério Público (inciso V do art. 129 e art. 232, ambos da CF).
7. AS TERRAS INDÍGENAS COMO CATEGORIA JURÍDICA DISTINTA DE TERRITÓRIOS INDÍGENAS. O DESABONO CONSTITUCIONAL AOS VOCÁBULOS "POVO", "PAÍS", "TERRITÓRIO", "PÁTRIA" OU "NAÇÃO" INDÍGENA. Somente o "território" enquanto categoria jurídico-política é que se põe como o preciso âmbito espacial de incidência de uma dada Ordem Jurídica soberana, ou autônoma. O substantivo "terras" é termo que assume compostura nitidamente sócio-cultural, e não política. A Constituição teve o cuidado de não falar em territórios indígenas, mas, tão-só, em "terras indígenas". A traduzir que os "grupos", "organizações", "populações" ou "comunidades" indígenas não constituem pessoa federada. Não formam circunscrição ou instância espacial que se orne de dimensão política. Daí não se reconhecer a qualquer das organizações sociais indígenas, ao conjunto delas, ou à sua base peculiarmente antropológica a dimensão de instância transnacional. Pelo que nenhuma das comunidades indígenas brasileiras detém estatura normativa para comparecer perante a Ordem Jurídica Internacional como "Nação", "País", "Pátria", "território nacional" ou "povo" independente. Sendo de fácil percepção que todas as vezes em que a Constituição de 1988 tratou de "nacionalidade" e dos demais vocábulos aspeados (País, Pátria, território nacional e povo) foi para se referir ao Brasil por inteiro.
8. A DEMARCAÇÃO COMO COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO DA UNIÃO. Somente à União, por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo, compete instaurar, sequenciar e concluir formalmente o processo demarcatório das terras indígenas, tanto quanto efetivá-lo materialmente, nada impedindo que o Presidente da República venha a consultar o Conselho de Defesa Nacional (inciso III do § 1º do art. 91 da CF), especialmente se as terras indígenas a demarcar coincidirem com faixa de fronteira. As competências deferidas ao Congresso Nacional, com efeito concreto ou sem densidade normativa, exaurem-se nos fazeres a que se referem o inciso XVI do art. 49 e o § 5º do art. 231, ambos da Constituição Federal.
9. A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS COMO CAPÍTULO AVANÇADO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. Os arts. 231 e 232 da Constituição Federal são de finalidade nitidamente fraternal ou solidária, própria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em vista o proto-valor da integração comunitária. Era constitucional compensatória de desvantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais de ações afirmativas. No caso, os índios a desfrutar de um espaço fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural. Processo de uma aculturação que não se dilui no convívio com os não-índios, pois a aculturação de que trata a Constituição não é perda de identidade étnica, mas somatório de mundividências. Uma soma, e não uma subtração. Ganho, e não perda. Relações interétnicas de mútuo proveito, a caracterizar ganhos culturais incessantemente cumulativos. Concretização constitucional do valor da inclusão comunitária pela via da identidade étnica.
10. O FALSO ANTAGONISMO ENTRE A QUESTÃO INDÍGENA E O DESENVOLVIMENTO. Ao Poder Público de todas as dimensões federativas o que incumbe não é subestimar, e muito menos hostilizar comunidades indígenas brasileiras, mas tirar proveito delas para diversificar o potencial econômico-cultural dos seus territórios (dos entes federativos). O desenvolvimento que se fizer sem ou contra os índios, ali onde eles se encontrarem instalados por modo tradicional, à data da Constituição de 1988, desrespeita o objetivo fundamental do inciso II do art. 3º da Constituição Federal, assecuratório de um tipo de "desenvolvimento nacional" tão ecologicamente equilibrado quanto humanizado e culturalmente diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena.
11. O CONTEÚDO POSITIVO DO ATO DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS. 11.1. O marco temporal de ocupação. A Constituição Federal trabalhou com data certa -- a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) -- como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. 11.2. O marco da tradicionalidade da ocupação. É preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica. A tradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios. Caso das "fazendas" situadas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja ocupação não arrefeceu nos índios sua capacidade de resistência e de afirmação da sua peculiar presença em todo o complexo geográfico da "Raposa Serra do Sol". 11.3. O marco da concreta abrangência fundiária e da finalidade prática da ocupação tradicional. Áreas indígenas são demarcadas para servir concretamente de habitação permanente dos índios de uma determinada etnia, de par com as terras utilizadas para suas atividades produtivas, mais as "imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar" e ainda aquelas que se revelarem "necessárias à reprodução física e cultural" de cada qual das comunidades étnico-indígenas, "segundo seus usos, costumes e tradições" (usos, costumes e tradições deles, indígenas, e não usos, costumes e tradições dos não-índios). Terra indígena, no imaginário coletivo aborígine, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade, toda coetaneidade e toda posteridade de uma etnia. Donde a proibição constitucional de se remover os índios das terras por eles tradicionalmente ocupadas, assim como o reconhecimento do direito a uma posse permanente e usufruto exclusivo, de parelha com a regra de que todas essas terras "são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis" (§ 4º do art. 231 da Constituição Federal). O que termina por fazer desse tipo tradicional de posse um heterodoxo instituto de Direito Constitucional, e não uma ortodoxa figura de Direito Civil. Donde a clara intelecção de que OS ARTIGOS 231 E 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL CONSTITUEM UM COMPLETO ESTATUTO JURÍDICO DA CAUSA INDÍGENA. 11.4. O marco do conceito fundiariamente extensivo do chamado "princípio da proporcionalidade". A Constituição de 1988 faz dos usos, costumes e tradições indígenas o engate lógico para a compreensão, entre outras, das semânticas da posse, da permanência, da habitação, da produção econômica e da reprodução física e cultural das etnias nativas. O próprio conceito do chamado "princípio da proporcionalidade", quando aplicado ao tema da demarcação das terras indígenas, ganha um conteúdo peculiarmente extensivo.
12. DIREITOS "ORIGINÁRIOS". Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente "reconhecidos", e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de "originários", a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como "nulos e extintos" (§ 6º do art. 231 da CF).
13. O MODELO PECULIARMENTE CONTÍNUO DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS. O modelo de demarcação das terras indígenas é orientado pela ideia de continuidade. Demarcação por fronteiras vivas ou abertas em seu interior, para que se forme um perfil coletivo e se afirme a auto-suficiência econômica de toda uma comunidade usufrutuária. Modelo bem mais serviente da ideia cultural e econômica de abertura de horizontes do que de fechamento em "bolsões", "ilhas", "blocos" ou "clusters", a evitar que se dizime o espírito pela eliminação progressiva dos elementos de uma dada cultura (etnocídio).
14. A CONCILIAÇÃO ENTRE TERRAS INDÍGENAS E A VISITA DE NÃO-ÍNDIOS, TANTO QUANTO COM A ABERTURA DE VIAS DE COMUNICAÇÃO E A MONTAGEM DE BASES FÍSICAS PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS OU DE RELEVÂNCIA PÚBLICA. A exclusividade de usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nas terras indígenas é conciliável com a eventual presença de não-índios, bem assim com a instalação de equipamentos públicos, a abertura de estradas e outras vias de comunicação, a montagem ou construção de bases físicas para a prestação de serviços públicos ou de relevância pública, desde que tudo se processe sob a liderança institucional da União, controle do Ministério Público e atuação coadjuvante de entidades tanto da Administração Federal quanto representativas dos próprios indígenas. O que já impede os próprios índios e suas comunidades, por exemplo, de interditar ou bloquear estradas, cobrar pedágio pelo uso delas e inibir o regular funcionamento das repartições públicas.
15. A RELAÇÃO DE PERTINÊNCIA ENTRE TERRAS INDÍGENAS E MEIO AMBIENTE. Há perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas, ainda que estas envolvam áreas de "conservação" e "preservação" ambiental. Essa compatibilidade é que autoriza a dupla afetação, sob a administração do competente órgão de defesa ambiental.
16. A DEMARCAÇÃO NECESSARIAMENTE ENDÓGENA OU INTRAÉTNICA. Cada etnia autóctone tem para si, com exclusividade, uma porção de terra compatível com sua peculiar forma de organização social. Daí o modelo contínuo de demarcação, que é monoétnico, excluindo-se os intervalados espaços fundiários entre uma etnia e outra. Modelo intraétnico que subsiste mesmo nos casos de etnias lindeiras, salvo se as prolongadas relações amistosas entre etnias aborígines venham a gerar, como no caso da Raposa Serra do Sol, uma condivisão empírica de espaços que impossibilite uma precisa fixação de fronteiras interétnicas. Sendo assim, se essa mais entranhada aproximação física ocorrer no plano dos fatos, como efetivamente se deu na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, não há como falar de demarcação intraétnica, menos ainda de espaços intervalados para legítima ocupação por não-índios, caracterização de terras estaduais devolutas, ou implantação de Municípios.
17. COMPATIBILIDADE ENTRE FAIXA DE FRONTEIRA E TERRAS INDÍGENAS. Há compatibilidade entre o usufruto de terras indígenas e faixa de fronteira. Longe de se pôr como um ponto de fragilidade estrutural das faixas de fronteira, a permanente alocação indígena nesses estratégicos espaços em muito facilita e até obriga que as instituições de Estado (Forças Armadas e Polícia Federal, principalmente) se façam também presentes com seus postos de vigilância, equipamentos, batalhões, companhias e agentes. Sem precisar de licença de quem quer que seja para fazê-lo. Mecanismos, esses, a serem aproveitados como oportunidade ímpar para conscientizar ainda mais os nossos indígenas, instruí-los (a partir dos conscritos), alertá-los contra a influência eventualmente malsã de certas organizações não-governamentais estrangeiras, mobilizá-los em defesa da soberania nacional e reforçar neles o inato sentimento de brasilidade. Missão favorecida pelo fato de serem os nossos índios as primeiras pessoas a revelar devoção pelo nosso País (eles, os índios, que em toda nossa história contribuíram decisivamente para a defesa e integridade do território nacional) e até hoje dar mostras de conhecerem o seu interior e as suas bordas mais que ninguém.
18. FUNDAMENTOS JURÍDICOS E SALVAGUARDAS INSTITUCIONAIS QUE SE COMPLEMENTAM. Voto do relator que faz agregar aos respectivos fundamentos salvaguardas institucionais ditadas pela superlativa importância histórico-cultural da causa. Salvaguardas ampliadas a partir de voto-vista do Ministro Menezes Direito e deslocadas, por iniciativa deste, para a parte dispositiva da decisão. Técnica de decidibilidade que se adota para conferir maior teor de operacionalidade ao acórdão."

Posteriormente, os embargos de declaração opostos pelo autor, por assistentes, pelo Ministério Público, pelas comunidades indígenas, pelo Estado de Roraima e por terceiros foram inadmitidos, desprovidos ou parcialmente providos para fins de mero esclarecimento, sem efeitos modificativos, em 23.10.2013, em acórdão assim ementado:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO POPULAR. DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL.
1. Embargos de declaração opostos pelo autor, por assistentes, pelo Ministério Público, pelas comunidades indígenas, pelo Estado de Roraima e por terceiros. Recursos inadmitidos, desprovidos, ou parcialmente providos para fins de mero esclarecimento, sem efeitos modificativos.
2. Com o trânsito em julgado do acórdão embargado, todos os processos relacionados à Terra Indígena Raposa Serra do Sol deverão adotar as seguintes premissas como necessárias: (i) são válidos a Portaria/MJ nº 534/2005 e o Decreto Presidencial de 15.04.2005, observadas as condições previstas no acórdão; e (ii) a caracterização da área como terra indígena, para os fins dos arts. 20, XI, e 231, da Constituição torna insubsistentes eventuais pretensões possessórias ou dominiais de particulares, salvo no tocante à indenização por benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (CF/88, art. 231, § 6º).
3. As chamadas condições ou condicionantes foram consideradas pressupostos para o reconhecimento da validade da demarcação efetuada. Não apenas por decorrerem, em essência, da própria Constituição, mas também pela necessidade de se explicitarem as diretrizes básicas para o exercício do usufruto indígena, de modo a solucionar de forma efetiva as graves controvérsias existentes na região. Nesse sentido, as condições integram o objeto do que foi decidido e fazem coisa julgada material. Isso significa que a sua incidência na Reserva da Raposa Serra do Sol não poderá ser objeto de questionamento em eventuais novos processos.
4. A decisão proferida em ação popular é desprovida de força vinculante, em sentido técnico. Nesses termos, os fundamentos adotados pela Corte não se estendem, de forma automática, a outros processos em que se discuta matéria similar. Sem prejuízo disso, o acórdão embargado ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite da superação de suas razões."

Segundos embargos de declaração foram rejeitados.


 

Última atualização: 
12/03/2021

Com contribuições de Eduardo Nadvorny Nascimento, Guilherme Reis e Marcella Ferraro.


 


 

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