Casos

ACP Cota Legal para Pessoas com Deficiência – Comércio de Joias (PR)


 


 


 

Número do processo:
0000666-32.2011.5.09.0004
Data de ajuizamento: 
02/05/2011
Órgão judicial: 
4ª Vara do Trabalho de Curitiba
Status: 
arquivado (sentença de improcedência)
Classe processual: 
ação civil pública
Data de arquivamento: 
28/08/2014

 


 


 

Polo ativo: 

Ministério Público do Trabalho – MPT

Polo passivo: 

Bergerson Joias e Relógios Ltda.

Terceiros/interessados: 

--


 


 


 

Técnicas processuais: 
audiência de instrução, audiência pública, multa coercitiva
Temática: 
pessoas com deficiência, trabalho
Abrangência: 
todos os estabelecimentos da ré (Paraná e Santa Catarina)

 

Resumo:

Ação coletiva ajuizada objetivando o cumprimento da cota legal de trabalhadores com deficiência que deveriam integrar seu quadro de funcionários.

Narra o MPT que já teria tentado diversas vezes a regularização da situação da ré, todas elas infrutíferas, em razão de suposta relutância da empresa. Alega-se a “existência de grave violação a direitos sociais dos trabalhadores com deficiência ou reabilitados e a ausência de compromisso de conduta não permitem nenhuma outra alternativa ao Ministério Público do Trabalho que não o ajuizamento desta Ação Civil Pública”.

Nesse contexto, pretendia, em suma, que fossem preenchidas as vagas faltantes para respeito da cota estabelecida por lei, que as pessoas com deficiência contratadas fossem de fato mantidas e integradas à empresa, em atenção à legislação pátria e a tratados internacionais, e que houvesse a reparação de danos morais coletivos.

A liminar foi indeferida em 06/06/2013, pois não haveria urgência.

Na contestação, a ré arguiu ilegitimidade do MPT para o dano moral coletivo, bem como que a abrangência da decisão deveria se limitar à competência territorial do juízo. Ademais, afirmou não ter condições materiais de preenchimento da cota legal, além de que o MPT não teria indicado, na petição inicial, de que forma a ré deveria cumprir tal exigência, ignorando o hiato entre a norma abstrata e a realidade concreta.

O juízo convocou, de ofício, uma audiência pública com o objetivo de promover o debate acerca da realidade das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Solicitou às partes que indicassem pessoas/entidades que gostariam que estivessem presentes na audiência, enviando-se o respectivo convite. Divulgou-se a realização da audiência na vara, na página do TRT-9 e em outros canais de notícia. A audiência foi realizada em 15/06/2012.

Realizou-se igualmente audiência de instrução, com oitiva de testemunhas.

Em primeiro grau, o juízo entendeu que as ações que até então haviam sido tomadas pela ré orientadas ao preenchimento da cota legal seriam limitadas e insuficientes, julgando em 09/07/2013 parcialmente procedentes os pedidos formulados, inclusive traçando objetivos e prazos para mudança na forma de atuação da empresa e condenando ao pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 100 mil.

Foi interposto recurso ordinário pela ré, alegando em especial que a decisão teria desrespeitado os limites fixados pelo pedido formulado na petição inicial. O MPT interpôs recurso ordinário adesivo, visando à majoração da condenação por danos morais coletivos. Houve provimento do primeiro, concluindo-se pela existência de julgamento extra petita e, a afastar a condenação por danos morais, que o não cumprimento da legislação não teria se dado por conduta discriminatória ou recusa injustificada, e sim teria a ré tentado cumprir as exigências legais dentro das possibilidades.

Não obstante o resultado do recurso, a sentença de primeira instância foi premiada no 1.º Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça.


 

Pedidos:

Nos termos da petição inicial:

“Requer, ainda, EM CARÁTER DEFINITIVO, seja o pedido julgado procedente para condenar a Empresa a:
a- Cumprir todas as obrigações alinhavadas no pedido liminar, sob pena de multa no valor de R$ 10.0000 (dez mil reais), por empregado que faltar para o integral cumprimento da cota e/ou por empregado dispensado sem a observância do disposto no § 1º do art. 93 da Lei nº 8.213/91 e no §1º do art. 36 do Decreto nº 3.298/99, valores reversíveis ao FAT - Fundo de Amparo do Trabalhador;
b- Indenizar o dano moral e material coletivo decorrente de sua conduta ilícita, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), no montante de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), conforme previsão do art. 1º, inciso IV, da Lei 7.347/85, valor este que deverá ser corrigido a partir da data da sentença pelos mesmos índices aplicados pela Justiça do Trabalho;”


 

Tutela provisória:

Nos termos da inicial, foi requerido:

“Ante o exposto, requer o Ministério Público do Trabalho o acolhimento de todos os pedidos para, LIMINARMENTE, com fundamento no art. 12, da Lei nº 7.347/85, inaudita altera pars ou após justificação prévia, a concessão de tutela antecipatória do mérito, no sentido de impor-se à empresa ré que:
1) no prazo máximo de 3 (três) meses, contrate e mantenha, em seu quadro de empregados, trabalhadores com deficiência habilitados, nos termos do art. 3º e 4º do Decreto nº 3.298/99, com a redação dada pelo Decreto 5296/2004, ou reabilitados da Previdência Social, em número suficiente para o preenchimento da cota legal a que está obrigada, nos termos do art. 93 da Lei n° 8.213/91 e artigo 36 do Decreto 3.298/99, sob pena de pagamento de multa de R$ 10.0000 (dez mil reais), por empregado que faltar para o integral cumprimento da cota, sendo o valor dessa pena pecuniária revertido ao FAT - Fundo de Amparo do Trabalhador;
2) observar o disposto no § 1º do art. 93 da Lei 8.213/91 e no §1º do art. 36 do Decreto nº 3.298/99, que estabelece que a dispensa de empregado integrante da cota legal, quando se tratar de contrato por prazo determinado superior a noventa (90) dias, e a dispensa imotivada, no contrato por prazo indeterminado, somente poderão ocorrer após a contratação de substituto em condições semelhantes, sob pena de pagamento de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por empregado dispensado sem a observância dessa providência, reversível ao FAT - Fundo de Amparo do Trabalhador.”

Em 06/06/2011, o requerimento de antecipação de tutela foi indeferido, tendo entendido o juízo que não haveria urgência, mostrando-se adequado no caso "o estabelecimento do contraditório". Não houve recurso da decisão.


 

Decisão final:

Em 09/07/2013, foi proferida sentença de parcial procedência, para reestruturação da empresa no que toca às pessoas com deficiência, com cominação de multa coercitiva:

"2.5 O CASO CONCRETO E SUA DECISÃO SOBRE AS COTAS:
(...).
Decido:
1) O Réu deverá tornar sua estrutura totalmente acessível às pessoas com deficiência, com a eliminação de barreiras que impeçam tal condição, ou seja, com a retirada das suas próprias deficiências. Para tanto, observará como parâmetros as definições contidas no Artigo 2 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: comunicação, língua, não discriminação, adaptação razoável e desenho universal. O cumprimento dessa determinação compreenderá os seguintes aspectos:

a) Adaptar ou reformular, no que tange às barreiras físicas, todos os seus espaços de trabalho, tais como, áreas administrativas, lojas, área de produção, bem como equipamentos. Prazo: 24 meses;
b) Promover campanha interna direcionada a todo o seu quadro funcional e fornecedores com vistas a superar preconceitos e esclarecer os objetivos da referida Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Prazo: 6 meses;c) Tornar a página de acesso na Internet e material promocional acessíveis às pessoas com deficiência visual e compreensível para linguagem dos sinais. Prazo: 6 meses;
d) Deixar de promover a concorrência de vagas entre pessoas com e sem deficiências, especialmente quando seus ambientes de trabalho e as condições ofertadas não favorecem àquelas, de modo a efetivamente existir condições de emprego sem discriminação. Prazo: imediatamente;
e) Elaborar e implementar plano para efetiva contratação de empregados com deficiência que atenda às mínimas exigências para tanto, especialmente nos aspectos relacionados à locomoção e horários de trabalho diferenciados, quando sua condição assim exigir. Prazo: 3 meses.

Para cumprimento dessas determinações, com o trânsito em julgado da presente decisão, o Réu deverá apresentar projeto detalhado no prazo de 60 dias, quanto às determinações dos itens a, b, c, e. Os prazos fixados terão início após a homologação do projeto pelo Juízo. A análise da pertinência do projeto e de seu cumprimento serão promovidos por um ou mais profissionais a serem nomeados pelo Juízo, conforme critérios a serem definidos no momento do cumprimento da sentença.
O não atendimento de quaisquer das determinações implicará na imposição de multa diária no valor de R$ 1.000,00. Conforme os parágrafos 4º e 6º do art. 461 do CPC, a qualquer tempo a multa poderá ser revista tanto no seu valor como na sua periodicidade, sem prejuízo de outras medidas que visem o resultado útil pretendido para a obrigação, nos termos do parágrafo 5º e do caput do mesmo art. 461.
As características das ações coletivas de tal natureza não se submetem completamente à regra do art. 460, parágrafo único do CPC, pois visam precipuamente fixar condutas para o futuro e, portanto, estabelecem algum tipo de condição, como bem demonstram as disposições do art. 461 do mesmo código.
As multas impostas, quando cobradas, reverterão em favor do Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT.”

Estabeleceu, ainda, o pagamento de multa diária para o não cumprimento do disposto no §1º do art. 93 da Lei 8.213/91, a respeito da manutenção na empresa de pessoa com deficiência contratada:

“2.6 MANUTENÇÃO DO NÍVEL DE EMPREGO
(...).
A clareza da disposição legal é inegável. Somente ocorrerá a dispensa do empregado com deficiência na hipótese de contratação de substituto em condição semelhante. Nesse sentido, o Réu deve abster-se de tal prática.
O não atendimento de tal regra implicará em multa diária no valor de R$ 1.000,00, até a efetiva contratação de substituto, revertida em prol do Fundo de Amparo do Trabalho – FAT.”

Ademais, condenou a ré ao pagamento de danos morais coletivos:

“2.8 DANO MORAL COLETIVO
(...).
Cabível para o caso dos autos, desse modo, a condenação no pagamento de indenização para reparação de dano moral coletivo, cujo critério é o preventivoprecautório11 e deve corresponder ao montante de R$ 100.000,00.
Os critérios de incidência da atualização monetária e juros devem considerar o entendimento da Súmula 439 do TST.
O valor deverá ser destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador FAT, com fundamento no art. 13, da Lei 7.347/85.
Defiro nestes termos.”

O Juízo determinou como âmbito de abrangência da decisão todos os estabelecimento da reclamada, que não possuiria lojas apenas em Curitiba, mas em outras cidades do Paraná e de Santa Catarina.

A ré apresentou recurso ordinário contra a decisão. O MPT, recurso adesivo quanto ao valor dos danos morais coletivos.

Em 18/10/2013, a 6.ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região deu parcial provimento ao recurso ordinário da ré, concluindo pela existência de julgamento extra petita, bem como que o descumprimento da legislação acerca da cota legal se deu por conta das condições materiais nas quais estria inserida a empresa, que teria comprovado sua atuação dentro das suas possibilidades:

“ACORDAM os Desembargadores da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, por unanimidade de votos, ADMITIR OS RECURSOS ORDINÁRIOS DAS PARTES, assim como as respectivas contrarrazões. No mérito, por maioria de votos, vencido parcialmente o Exmo. Revisor, que entende não configurado julgamento extra petita. Sem divergência de votos, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO DA RÉ para, nos termos da fundamentação: a) reconhecer a existência de julgamento "extra petita", na hipótese; e b) afastar a condenação da ré ao cumprimento das obrigações previstas nos tópicos 2.5 e 2.6 da r. sentença e, em decorrência, excluir o pagamento de dano moral coletivo. À unanimidade de votos, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DO MPT, nos termos da fundamentação.”

Assim entendeu o relator:

"De acordo com os excertos acima transcritos, tem-se como certo que, de fato, a sentença perambulou por trilhas não traçadas nos autos e decidiu sobre questão que não fez parte da lide, constituindo-se, por conseguinte, em decisão 'extra petita'. Dito de outra maneira, na petição inicial não houve pedido com relação à adequação da estrutura física da reclamada a empregados com deficiência, e à elaboração de plano para a contratação de empregados com deficiência.
Efetivamente, o que pretendeu o MPT, na inicial, foi a contratação, pela ré, de trabalhadores com deficiência habilitados, no prazo máximo de 3 meses, de forma a preencher a cota legal a que a empresa está obrigada, assim como a observância do disposto no § 1º do art. 93 da Lei 8.213/91, para que o empregado com deficiência apenas seja dispensado após a contratação de substituto em condições semelhantes. Com isso, conclui-se que, de fato, houve julgamento além do postulado, na hipótese, merecendo reparos a r. decisão quanto ao ponto.
Apenas ressalto, com relação à alínea 'e' constante no excerto da sentença supra transcrito, que a determinação a implementação da contratação, pela ré, de empregados com deficiência no prazo de 3 meses se amolda perfeitamente ao pedido da inicial. Apenas a elaboração de plano para essa contratação, assim, é que se afigura 'extra petita'.
Pelo exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso, para reconhecer a existência de julgamento 'extra petita', na hipóteses."

Em 16/12/2013, foram acolhidos em parte os embargos de declaração apresentados pelo MPT contra o acórdão, apenas para esclarecer pontos questionados. Esclareceu-se, inclusive:

“que não houve condenação para que a ré cumpra a cota legal de deficientes sob questão, o que, por óbvio, conflitaria com toda a fundamentação exposada por esta Turma quanto ao tema. Restou consignado, apenas, por cautela e a título de esclarecimento, que ‘remanesce o dever da reclamada de se adequar ao comando legal, dentro das possibilidades e da realidade fática que se verifica na região em que atua. Sendo assim, demonstrada a existência de trabalhadores portadores de deficiência habilitados para seu ramo de atuação e comprovada sua recusa em contratá-los, o acolhimento, ainda que em parte, de nova ação civil pública eventualmente ajuizada será impositivo.’”

Trânsito em julgado em 12/02/2014.


 

Última atualização: 
19/05/2018

Com contribuições de Heloísa Nerone.


 


 

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